terça-feira, 3 de abril de 2007

O Velho - Parte III



Em casa não conseguia deixar de pensar naquela cena escura.
Até tu me perguntavas o que eu tinha que parecia tão triste.
A minha resposta era só uma: “Eu tenho tudo, comparando com o vazio de alguns…”.
Na minha cabeça, vinham e iam as imagens daquele velhinho à chuva, perguntava-me se ele teria casa, alguém à sua espera, um prato de comida quente. Contudo, aquele velhinho não me parecia um sem abrigo, a roupa era gasta mas não suja.
Eu não podia ter feito nada, ou será que podia?
Poderia eu simplesmente ir contra o Universo? Não podia virar sua filha, ou melhor, sua neta, a minha idade era para isso.
Virei costas, vim-me embora contigo, deixei-o lá. Mas no fundo, no fundo, eu senti que aquele senhor, que outrora teria sido faustoso, poderoso, imponente, estava agora à chuva apenas porque se sentia lavado, e porque o dia se adequava a ele, choroso, saudoso, melancólico.

Hoje, o dia acordou sereno, um solzinho a espreitar-me pela janela, não consegui fugir à ideia de voltar ao banco no jardim onde pela primeira vez o tinha visto, um ser cuja profundidade do olhar me tocou na alma. Acho que nunca, na rua, tinha visto uma profundidade assim.
Levantei-me da cama, e vesti qualquer coisa à pressa, olhei para o espelho e pensei, “estás muito bem assim. És tu, simplesmente tu”.
Sai de casa dirigi-me ao parque, ao banco do jardim, em frente à igreja.
Estive distraída a olhar o local, a relembrar o ultimo momento que tinha passado ali, e encaminhei-me lentamente para o banco onde, noutro dia, tinha visto aquele olhar pela primeira vez. Quando cheguei ao banco, apercebi-me de algo que se encontrava sobre o mesmo. Uma folha de papel dobrada em 4, e uma rosa cor de pérola.
Fiquei a olhar, aquela folha, aquela rosa, tinha que ser para alguém, ou seria para todos lerem?
Peguei na carta, voltei a colocá-la no banco, voltei de novo a agarrá-la, e desta vez abri-a. Olhei a toda a volta e não vi ninguém, a medo comecei a ler.
“Sim é para ti menina dos olhos negros, que me olhaste profundamente numa tarde de tempestade…”
Como poderia estar uma carta ali para mim?
Olhei outra vez à volta… Nada!

Começo a ler a carta, sou transportada para uma história de amor e guerra. Um amor que começou cedo, em breves olhares e poucas palavras. Uma guerra que começa e que leva para ela muitos jovens. Nessa carta é-me contada uma história de vida, apaixonante, arrebatadora, e com tristeza percebo, muito feliz até há pouco.
O velho cujos olhos me prenderam, foi então um militar de alta patente, foi enviado para a guerra, sobreviveu, ganhou medalhas e louvores.
Era imponente, conhecedor, forte, astuto, o verdadeiro carácter militar.
Por fora!
Por dentro a história era outra, conheceu o amor pouco antes de ser enviado em serviço para a guerra, foi como uma bóia numa oceano furioso, foi aquele sorriso que lhe permitiu sobreviver e ter força para regressar.
Voltou, vivo, com estatuto, casou.
Foi feliz, teve filhos, foi feliz.
Não precisava de mais nada na vida, era perfeito, completo, preenchido.
Agora a sua força era posta à prova.
O pilar que o sustentava desmoronou.
Agora o preenchimento dava lugar ao vazio.
A vida leve que levava, com posses, tinha sido lentamente destruída pelo vício do filho. Nos últimos anos já não havia largueza, mas tudo isso era fácil de suportar, tinha o seu pilar.
O seu pilar agora tinha partido.
Estava sozinho, restava apenas a bondade das senhoras do lar, que lhe levavam comida e lavavam a roupa.
A sua alma gémea tinha partido…
Laura…

Quando levanto os olhos molhados daquele pedaço de papel, dou por mim com o senhor dos olhos profundos ao meu lado.
Meia atrapalhada, esboço um sorriso, limpo as lágrimas.
Ele olha-me novamente nos olhos, a profundidade é tão grande, e agora sim já percebo.
É tão grande como a imensidão daquilo que perdeu.
O amor pela sua Laura…
Ele toca-me na mão, esboça um sorriso, e com uma voz quente diz-me: “Obrigado…”

Não percebi aquele obrigado. Mas continuamos a conversar.
O velho passou a Artur, o velho passou a um amigo.
Contou-me como tinha ele sentido aquela tempestade e aquele olhar, e a decisão que tinha tomado depois de ter saído da chuva.
Ia procurar o filho e possíveis netos.
Afinal, não tinha que estar sozinho.

Ainda agora nos encontramos no banco do jardim para conversar.

O velho Artur, meu amigo, que com os olhos me ensinou.







1 comentário:

mOsKa disse...

voce anda mt romantica, o k e isto?! n a imaginava axim :D tou a brincar. bj da moskatela ou ana lol *