segunda-feira, 23 de outubro de 2006

O Velho



O velho estava sentado à porta da igreja, e eu, do outro lado da rua sentada no banco, pousava pela primeira vez o meu olhar naquele ser.
A primeira vez olhei por acaso, a segunda já foi com alguma atenção, a partir daí o meu olhar prendeu-se.
Eu estava ali no banco.
Sim é verdade, estava, e estava sozinha…
Estava sozinha mas esperava alguém.
Esperava alguém, e profundamente não estava assim tão sozinha.

Aquele ser…
Aquele ser que estava à minha frente, estava sim, mesmo sozinho.
E eu nem sei sequer, se, se tinha a si próprio.
Um ar infeliz, perdido.
Moribundo mas vivamente ardente.
Ainda havia um toque de esperança.

Que teria acontecido aquele velho, aquele senhor?
Olho para ele…
Outrora teria sido elegante, forte, olhar determinado, decidido, dono de si, protector dos seus, abastado até.

Agora, ali sentado na porta da igreja, sem nada, como mais um daqueles mendigos, por quem passamos todos dias nas ruas de Lisboa e nem sequer olhamos, com muita atenção, ou porque nos enojam, ou porque nos metem medo, ou porque tememos ceder à pena que nos invade, qualquer que seja o motivo, a atenção é pouca.

Mas aquele…
Aquele ali, sentado de forma tão característica, aquele não é um mendigo como os outros, aquele é um mendigo de alma.
Pede com os olhos que lhe estiquem a mão.
Não é a carteira, é a mão.


Ele perdeu-se…
Ficou cego, já não vê o caminho.

Sentada no meu banco, enquanto o tempo congelou no relógio, ou então no meu espírito, deixo a minha alma analisar a alma vizinha.
Reparo então na sua mão…
A sua mão limpa, bem-feita, nem grande nem pequena, unhas bem cortadas, nada estragadas, e no seu dedo, no seu dedo um doce fio de
luz dourada.
Espanto-me e não me espanto, acho que o que me espanta é a luz que eu apreendi daquele anel.

Continuo a observar…

Reparo na sua roupa…
A sombra!
Não, não são roupas sujas, nem rasgadas.
São limpas, gastas pelo tempo, gastas.
É assim que aquele ser se encontra!
Gasto!
Gasto pelo tempo, pela tristeza, pela solidão.
Gasto pela rigidez a mais, por aquilo que não aproveitou.

Era gasto que ele estava.
Gasto e só…

O velho começava agora a direccionar o olhar na minha direcção, olhou-me profundamente, com os olhos que pedem, tentou esboçar um sorriso, e o olhar vazio encontrou uma pequena flor.
Eu não desviei o olhar, retribui o sorriso.
O meu sorriso era de solidariedade, ternura?
Não sei bem.

Também que importa?

Foi um sorriso com vontade.

5 comentários:

Filipa Teixeira disse...

porquê?
porquê é que temos tanto medo da velhice? porque achamos que é o principio do fim? ou porque ainda não a conhecemos e temos pavor do desconhecido?
porquê?

deve ser bom ser velho. um dia eu quero ser velha, muito velha e muito gasta!

que mania! que mania que as pessoas teem de achar que os velhos são menos capazes, menos felizes, menos sábios, menos...
porquê tentam exclui-los? na era da reciclagem o ser humano tem pavor a tudo o que é velho!

um dia quero ser velha, muito velha e passar as tardes ás compras contigo no colombo!

gostei do tema. vou pensar se gostei do texto...

mas não preciso pensar para te dizer que te adoro ****************************bjO

_XugarSpice_ disse...

Não ele não é menos capaz ou menos alguém...
A questão aqui é a solidão que atravessa... mas este post é para continuar!
Ainda não percebi porque é que a formatação que eu lhe meti nao aparece bemmm n há-d ser nada!
********************
Txi adorooo!

T. disse...

que texto lindo...veem-se ttas almas destas perdidas nas aldeias deste nosso país...

um sorriso sincero é como uma reconfortante refeição quente. =)

Anónimo disse...

A vontade é muitas vezes a palavra chave para muitas acções! Beijinhos (Adoro-te)

Anónimo disse...

Gostava só de elogiar o novo fundo do teu blog :) Beijocas